terça-feira, 1 de junho de 2021

Dr. Jacarandá, o alagoano que inspirou o Zé Carioca

 Recebo regularmente excelentes matérias sobre a história e personalidades de Alagoas, publicadas pelo incansável Edberto Ticianeli, admirável cidadão da “Terra dos Marechais” PhD que, em matéria de Cultura naquelas plagas. Com a devida  vênia  como dizem os advogados – reproduzo aqui mais uma de suas maravilhosas publicações  vindas do seu blog  História de Alagoas. Com os devidos e justificados créditos conheçam a história do::

“Dr. Jacarandá, o alagoano que inspirou o Zé Carioca

Publicado em 11 de janeiro de 2021 por Ticianeli em CulturaPersonalidades // 7 comentários


Pouco conhecido dos alagoanos, 
Manuel Vicente Alves, o Dr. Jacarandá, ficou conhecido no Rio de Janeiro por ser um tipo folclórico. Nasceu em Palmeira dos Índios no dia 25 de abril de 1869.

Segundo Graciliano Ramos (Vivente das Alagoas), por causa da seca de 1877, ele e a família deixaram Olhos d’Água do Acioli (uma vila de Palmeira dos Índios, atual Igaci) e foram morar nos “arrozais de Anadia” (antiga área de São Miguel dos Campos).

Dr. Jacarandá em 1919

Em entrevista ao Malho de 19 de julho de 1930, Manuel Vicente Alves disse que aos 22 anos “se especializou nas casas de pasto, a cantar o menu aos fregueses”, período em se manifestaram nele “os primeiros pendores para a tribuna”.

Relatou que tinha a pretensão de atravessar o Atlântico e para isso foi trabalhar em um navio do Lloyd como moço de bordo. Viajou até Manaus e voltou a Pernambuco, onde resolveu conhecer o Rio de Janeiro.

Chegou à capital federal em 1904 e trabalhou como quitandeiro, peixeiro, apanhador de papeis velhos, estivador e criado de uma porção de famílias.

“Vivi ignorado até há pouco tempo, quando então os cariocas descobriram o meu talento e começaram a me chamar de doutor”, explicou a um repórter.

Passou a exercer a advocacia sem possuir formação institucional em Direito. Era um rábula.

O jornalista quis saber se tinha escola superior. Respondeu rápido:

— Uê!… Então para ser doutor é preciso estudar alguma coisa?”.

Em outra entrevista, na década de 1920, perguntado como começou a advogar, respondeu:

— Eu fui procurado por um homem que não sabia como receber a quantia de 700$000. Eu achei que aquilo devia ser fácil e, atendendo ao legítimo direito do meu primeiro constituinte, tratei da causa e consegui vencer”.

Sobre sua especialidade, esclareceu que era o despejo. E completou:

— Eu esqueci de apresentar há pouco, que essa minha primeira causa ainda não acabou. Porque o devedor tem pago aos poucos e ainda ontem o meu constituinte recebeu ‘alguma coisa’”.

Ficou famoso como defensor dos pobres diante da Justiça. Inicialmente seu “escritório” era a Praça Onze e seu birô uma pasta cheia de papeis. Era descrito como um preto alto, imponente, de voz poderosa.

Passou a ser conhecido como Dr. Jacarandá por sempre afirmar para os seus clientes:

— Confie em mim, pois sou igual ao jacarandá, um pau para toda obra”.

Outra versão conta que o apelido surgiu por ser advogado de porta de cadeia, normalmente construída usando tábuas de jacarandá.

Escritório do Doutor Jacarandá

Consolidou sua fama na década de 20, quando caiu nas graças do marechal Fontoura, que assumiu a chefia de Polícia da capital federal e o ajudava na libertação de alguns presos.

Também foi proprietário de um botequim na esquina das ruas Evaristo da Veiga com Senador Dantas.

Em “Vivente das Alagoas”, Graciliano Ramos descreve um encontro que teve com ele nas ruas do Rio de Janeiro em um dia muito quente:

“O Dr. Jacarandá resplandecia, leve e retinto, como se estivesse engraxado de novo. O pixaim branco realçava na treva da nuca, valorizava o chapéu velho; as abas do fraque, impulsadas por energias intensas, agitavam-se, remedando bandeiras de uma bela cor preta amarelada, com manchas claras; os bolsos enchumavam-se, provavelmente de símbolos escritos; e uma rosa triunfava na lapela, vermelha e grande. Ligeiro como um redemoinho, o homem atravessou a avenida, sumiu-se na multidão suada, fatigada”.

Dr. Jacarandá não gostava de falar de sua vida e fugia das perguntas dizendo que em breve lançaria um livro com sua história.

Em 1930, perguntaram a ele o que pensava do amor.

— Amor… amor… homem, amor na minha opinião é o superlativo natural da natureza!

— O senhor já amou alguma vez?

— Os grandes homens não amam. Além disso, eu considero o amor um assunto natural. E para o público só posso falar sobre assuntos artificiais.

Disse também que gostava muito de literatura, mas desde que as histórias não fossem muito picantes.

— Quais os escritores de sua preferência?

— Eu divido os escritores em duas categorias: os que já li e os que tenho vontade de ler. Dos primeiros nada posso dizer por que não me lembro; quanto aos outros não sei.

Quando assunto era política, falava sem parar. O repórter quis saber então o que era a política para ele.

— Política é uma questão ética, quando os princípios da parte dos contemporâneos passados procuravam fazer solidar o regime da religião católica romana, procuravam matar, expulsar os mais antigos, para os mais novos que viessem nascendo e já acreditando na religião católica.

Expressava-se com alguma dificuldade, expondo seus estudos limitados — não passou do Primário. Quando se dirigia a um juiz o tratava como “sinhô dotô meretismo”. Reclamava do andamento dos processos perguntando pela “marcha dos papé”. Dizia-se que ele “impretava hábis córpis”, garantia “manitenção de possia” e requeria “sortura”.

Não ligava para as chacotas, demonstrando confiar nos seus “estudos”. Era audacioso quando se relacionava com os servidores das varas, cartórios e tabelionatos. Exibia em um grande anel de pedra vermelha, anunciando seu “doutorado”.

Conhecia e citava de cor os artigos do Código Penal, além de pronunciar algumas frases em latim. Assim conseguiu inúmeras vitórias no Tribunal.

Dr. Jacarandá sendo entrevistado pelo repórter de O Malho no Centro Alagoano para a edição de 19 de julho de 1930

Em 1930 foi despejado do quarto de uma casa onde pagava o aluguel fazendo a limpeza. Por favor do coronel Amilcar, passou a viver miseravelmente no Centro Alagoano, na Rua do Núncio, nº 33, esquina com a da Constituição. Dormia sobre as cadeiras e ganhava uns trocados fazendo biscates para advogados, mas “sem abandonar seu ar de superioridade”.

Na mesma saleta onde dormia, estabeleceu seu “Escritório”, com tabuleta na porta. A OAB não gostou e impediu o seu funcionamento naquele recinto.

Continuou atendendo seus clientes numa mesa de bar próximo ao fórum.

Considerando-se popular o suficiente para pleitear um mandato político, resolveu se candidatar em todas as eleições a partir da década de 1920. Somente não pleiteou a presidência da República. Nunca obteve mais que três dezenas de votos.

Prometia que, se “inleito”, garantir os “direitu das sinhora meretrizias”. Seus discursos faziam a festa das plateias, principalmente dos estudantes.

Sua plataforma, devidamente impressa após ser revisada em uma gráfica, propagandeava o seguinte: “Pleitearei pelos direitos das senhoras meretrizes que não poderão sofrer coação da sua liberdade por andarem na rua ou entrarem em botequim de dia ou de noite”.

Eram reivindicações que poderiam lhe garantir alguns votos, mas o outro ponto do programa, com certeza não lhe deu voto algum: “Pleitearei que todas as delegacias deverão ter uma sala de reserva para a comodidade de pessoas idôneas que ali vão acusadas de terem cometido crimes”.

Certa feita, acompanhava uma sessão do Conselho Municipal e ouvindo o amigo Maurício de Lacerda discursar da bancada da imprensa sobre alguma injustiça da época, se dirigiu publicamente a ele pedindo orientação de como proceder para reparar o esbulho que tinha sido vítima, se referindo aos poucos votos recebidos.

— Só há um recurso, colega —, respondeu bem sério o palestrante.

— Qual é?

— É você requerer que todos os “votos em branco” sejam contados em seu favor

Na mesma hora o Dr. Jacarandá redigiu uma petição e a apresentou ao presidente do poder municipal, o velho J. J. Seabra, que recebeu o documento e deu um sorriso de compaixão.

Charge em O Malho de 1924

Nas ruas, cumprimentava todo mundo, mas não gostava das peças que lhe pregavam os moleques. Algumas vezes teve que pedir a proteção de um delegado amigo.

Mas aceitava de bom grado participar das troças carnavalescas. Em uma delas desfilou no carro alegórico dos estudantes da Escola de Engenharia, sendo escolhido “paraninfo perpétuo” da turma.

Em 26 de janeiro de 1917, o Jornal do Brasil noticiou que o Dr. Jacarandá tinha sido violentamente agredido por um grupo de carpinteiros que estava numa mercearia da Rua do Lavradio, onde ele morava.

Apanhou porque foi vaiado e protestou. Foi salvo por um guarda civil, que prendeu os agressores.

Outro episódio, de abril de 1919, revela a vida polêmica e os detalhes do seu texto.

Ele moveu queixa crime contra um vizinho, o tintureiro Armando Bastos: “eu não me conformando, como não conformo com as in Juria, que me foram, impurtado, pelo supplicado eu me, fadamentado no título X 1 e capítulo único, das calumnias e das injuria do código penal, art. 315, Vim ireispeitosamente, requerre A. V. Ex. abertura de inquerito policial, e audigne de mandar, intimar supplicado para, vinho perante as autoridade, competente, provar a injuria, etc…”.

No dia da audiência, quando foi convidado a se manifestar, disse: “Fui insurtado e quero o arreparo das léses. Ou cadeia pro acusado ou a retratição…”. O acusado revelou que não tinha nenhuma intenção de ofendê-lo.

— Ah! intão o sinhô deséste da intenção das injuria? A léses pervê o caso. Não há incongruença entre a queixa dada e a retratição da curpa. Eu como outo só ejije agora o termo de desistença”, se pronunciou o acusador, conhecedor das leis.

Revista Careta de 20 de março de 1926

Alguns doutores não gostavam de vê-lo ostentando o mesmo título sem diploma. Um deles chegou a processá-lo. Defendeu-se dizendo que era um apelido que recebera e que não tinha controle sobre isso.

Acometido de um mal súbito em maio de 1948, foi socorrido e internado no Hospital de Pronto Socorro. Não mais voltou para seu pequeno e pobre quarto.

Sabendo da doença do seu pai, José Januário Alves, comerciante em São Miguel dos Campos (alguns jornais registraram São José dos Campos), imediatamente viajou para o Rio de Janeiro e acompanhou-o até a sua morte em 19 de julho de 1948.

Foto do Dr. Jacarandá de 1948, um pouco antes do seu falecimento

Estava internado no Hospital Carlos Chagas, em Marechal Hermes. Foi sepultado no cemitério de Ricardo de Albuquerque.

Além desse filho, há registros da existência de uma sobrinha.

Quando adoeceu, morava na Rua do Lavradio, nº 73 e meses antes, em fevereiro, foi agredido pelos vizinhos com cabos de vassoura acusado de não pagar sua parte do consumo de energia elétrica do prédio onde morava, de propriedade da Prefeitura. Os agressores foram presos. Dias depois, o agredido apresentou documentos comprovando que pagava suas contas em dia.

Em 2017, era um dos personagens do musical “Negros e Judeus na Praça Onze”, apresentado no Rio de Janeiro.

Zé Carioca

A criação do personagem Zé Carioca pela equipe do desenhista Walt Disney, que ocorreu há quase 80 anos, fazia parte de uma estratégia política do governo norte-americana de estabelecer boas relações com os países latino-americanos.

Vivia-se o início da Segunda Guerra Mundial e os EUA queriam garantir alianças militares no continente e assim fechar as portas para os alemães.

Essa intenção ficou evidente no lançamento do primeiro filme do Zé Carioca em 1942. A fala inicial do personagem animado foi: “Alô amigos, a vocês uma querida saudação, um gostoso aperto de mão. Amigos fazem assim, alô amigos“.

O artista J. Carlos foi quem propôs o papagaio para representar o Brasil

A inspiração para o personagem surgiu em 1941 durante um jantar, no Copacabana Palace, que reuniu o grupo Walt Disney e alguns convidados, entre estes o famoso desenhista brasileiro J. Carlos.

O carioca José Carlos de Brito e Cunha foi chargista, ilustrador e designer gráfico. Também foi escultor, autor de teatro de revista e letrista de samba. É considerado um dos maiores representantes do estilo art déco no design gráfico brasileiro.

No jantar, J. Carlos ofereceu a Walt Disney o desenho de um papagaio abraçando o Pato Donald. Disney imediatamente percebeu que era aquele o personagem que estava procurando para seu projeto.

Conheceu também os trabalhos de J. Carlos e o convidou para ir morar nos EUA. Pretendia tê-lo em sua equipe para desenvolvedor do personagem animado que representaria o Brasil. J. Carlos recusou o convite.

Foi a partir do papagaio proposto por ele que surgiu o Zé Carioca. Não se conhece o destino dado ao desenho original e nem o que dele foi aproveitado no personagem.

Mas sabe-se que para compô-lo, se tomou emprestado do alagoano Dr. Jacarandá, o fraque, o chapéu, o guarda-chuva e o charuto.

Sobre a origem do jeito malandro do Zé Carioca, há três versões.

Teria vindo do músico paulista, José Patrocínio de Oliveira, o Zezinho, amigo de Carmem Miranda e que tocava banjo e bandolim no Bando da Lua. Foi ele quem foi para os EUA e lá dublou o personagem no filme “Saludo Amigos” (Alô, amigos, no Brasil).

Zé Carioca de boné e camiseta

Outra versão aponta como origem o jeito folgadão do sambista Paulo da Portela, que Disney conheceu ao visitar a quadra daquela Escola de Samba.

Alguns identificam que a malandragem do Zé Carioca veio dos dois.

A influência do Dr. Jacarandá nas vestimentas do Zé Carioca sobreviveu até os anos 60, quando o papagaio deixou de lado o paletó, gravata, chapéu-palheta e charuto, passando a utilizar roupas tropicais como uma camiseta.

Com as mudanças na equipe Disney, em maio de 1983, a camiseta foi utilizada pela última vez no desenho para gibi Pedrão, o pintor. Zé Carioca voltava a vestir o velho paletó e o chapéu-palheta.

A partir de janeiro de 1992, Zé Carioca novamente cedeu à moda do momento e apareceu com boné, camisas estampadas e tênis, inicialmente nas capas dos gibis e, depois de dez edições, também nos desenhos internos. A partir de então abandonou de vez sua relação imagética com o Dr. Jacarandá.”

segunda-feira, 24 de maio de 2021

O GAGO BOM DE VOTO

Um fato verídico que aconteceu  em Pernambuco, e até hoje  lembrado. A vitória do “gaguinho” em Palmares, importante cidade da zona da mata sul do Estado.

Nos últimos dias de campanha para as eleições do dia 30 de outubro 1976,  o candidato da Arena na cidade renuncia. Alvoroço total. O governador era Moura Cavalcante, que, aflito, foi pessoalmente à cidade. Reuniu os correligionários:

- Quem devemos indicar para a Prefeitura? Quem é o mais popular na cidade?

- O Gaguinho!  Lembrado por unanimidade.

-É da Arena?

-É, mas o problema é que é gago demais, não fala nada.

-Não tem problema, prefeito não precisa falar, precisa fazer, precisa agir. Tá resolvido, o gago será o candidato da Arena.

E haja comício e o gaguinho lá de cima do palanque acenando para o povo e fazendo o V da vitória. Ganhou sem dizer uma palavra.

O SENADOR BIÔNICO

General Figueiredo era o presidente, foi a Recife e organizaram um jantar em sua homenagem. Começaram os contatos para os convites. Alguém ligou para a  casa do senador Aderbal Jurema:

- É da casa do senador biônico Aderbal Jurema?

A empregada que atendeu responde:

- Respeite o senador. Aqui é uma casa de família. E desligou.

FALTA DE AR

Quando Cordeiro de Farias governava Pernambuco, recebeu a visita do coronel Joca Maranhão, chefe político de Aliança na zona da mata norte. Foi pedir a saída do juiz de Direito.

- Ele não pode continuar lá general. É um “desmantelado”, tem todo tipo de falta, bebe muito, é mulherengo, corrupto, venal, preguiçoso.

- Ele tem todas essas faltas mesmo, coronel?

- Tem general. Tem tudo que é falta. De falta mesmo ele só não tem falta de ar.

CADÊ O MEU VOTO?

Eleições de 1978. Tinham acabado de apurar as urnas de Ipubi, alto sertão de Pernambuco, quase chegando no Piauí. Felipe Coelho, era deputado estadual pela Arena, dono absoluto dos votos daquele curral eleitoral. Para amenizar, deixou passar dois votos para Carlos Caribé, também da Arena.

O MDB não teve nenhum voto. Aliás, teve muitos, sobretudo para Hugo Martins. Mas a máquina de Felipe Coelho estava lubrificada como nunca. Mapeou todos. Na hora de assinar a ata, o juiz eleitoral gritou:

- Cadê meu voto? O que eu dei para Alan Gadelha, do MDB? meu sobrinho? Votei nele e até meu voto vocês levaram? Quero o meu voto na ata.

Refizeram o mapa e a ata. Voto de juiz é como um terço de padre: quem rouba vai para o inferno.