terça-feira, 24 de novembro de 2020

AS VOZES NEGRAS DO RÁDIO NO BRASIL

Vamos dar um giro pela trajetória de alguns nomes de nossa música popular que sofreram e amargaram o tal “preconceito velado” no País. Mas, antes, vamos passar por este atualíssimo  texto de autoria de Daniel Brazil, escritor, pesquisador de música, roteirista e diretor de TV, publicado no último dia 29 de abril, intitulado “ A Música Negra das Américas.  

- “Um dos fenômenos mais notáveis ocorridos no Novo Mundo foi a miscigenação das raças branca, negra e nativa. Nunca a humanidade havia provado em tão larga escala a mistura de raças, de culturas, de religiões, de temperamentos, de sangue enfim. Ásia, Europa e África, cada continente com suas peculiaridades, nem chegam perto do experimento cultural explosivo que ocorreu no território americano.
Na música popular isso teve um efeito impressionante. A variedade de ritmos e formas musicais surgidas nas Américas acabou dominando o planeta. E foi mais marcante justamente onde a presença africana esteve mais presente: Brasil, EUA, Cuba, Jamaica... Mesmo nos países mais “brancos”, ou “indígenas”, a influência negra é marcante. Samba(s), mambo, jazz, blues, reggae, choro, rumba, batuque, baião, embolada, son, guajira, ska, bossa nova, cumbia, candombe, conga, maracatu, hip hop, danzón, soul music, trova, habanera, salsa, carimbó... a lista é quase interminável.
Conversava outro dia sobre a música cubana, atividade de quarentena, e revi (reouvi) o belo filme Buena Vista Social Club, de Wim Wenders. Está no Youtube, fácil de assistir. Mas o que me chamou a atenção foram os comentários de brasileiros que elogiam os músicos, mas fazem questão de destacar que “coitados, vivem na miséria, estavam esquecidos, mereciam muito mais, se não morassem em Cuba...”
Em que mundo estas pessoas vivem? Gostaria de recomendar a cada um o documentário sobre a Velha Guarda da Portela, “redescoberta” (para alguns desavisados) por Marisa Monte em 2011. Nosso Buena Vista Social Club, se formos analisar os talentos, a musicalidade, a produção riquíssima. Onde aqueles idiotas acham que os protagonistas moram? Na favela, muitos deles. No subúrbio, a totalidade. Quando chegaram às telas televisivas? No carnaval, alguns minutos perdidos no meio da multidão.
Idem, as velhas guardas da Mangueira, do Salgueiro, da Vai-Vai, os cantadores do Nordeste, os violeiros do interior do país, os guitarreiros do Norte, os cirandeiros, os frevistas, as cantadoras do Recôncavo, os catireiros...
Daria pra fazer um filme – ou vários - com cada grupo desses citados. Mas o brasileiro não costuma reconhecer sua própria diversidade, sua riqueza, e também não enxerga seu racismo, seu preconceito, seu enviesado senso de justiça.
É fácil gostar da música cubana, tão quente e sanguineamente próxima, como gostar do blues ou do jazz. Reconhecer que a maioria dos mestres-definidores destes gêneros nasceram, cresceram e (muitos deles) morreram na miséria é um exercício necessário para ampliar nossa compreensão do mistério fundamental da criação artística: independe de classe, raça, cor, gênero ou nacionalidade. E menos ainda de conveniências políticas adubadas pela ignorância histórica”.

 

 

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